Passos apressados ecoavam no silêncio da noite, mas não quebravam o silêncio ensurdecedor da mente. As poças de água gelada e os paralelepípedos atuavam como obstáculos de um menino que corria. Corria das pessoas. Corria dos problemas. Corria de si mesmo.
Até cair na esquina. Até cair em si. O dia daquela semana fora claro, limpo e com céu azul turquesa. A nota da prova fora vermelho sangue. O professor nunca considerava suas respostas e trabalho extra para não ficar de recuperação deixou de ser um possibilidade com a frase: " gente rica que nem você só tira nota baixa por folga".
Folga. As dificuldades, a dislexia.... não importa. Não mais. Não havia mais vermelho. Só a noite negra, a lua amarela e os prédios cinzas.
Prédios traidores! No começo, escondiam da sociedade julgadora ele e seus amigos. Amigos em pó, em erva, em comprimido. Amigos que o deixavam feliz, o faziam acreditar nas ilusões e, principalmente, o faziam esquecer. Mas eram amigos caros e estar com eles exigia cuidado. Agora, os prédios que tanto o apoiaram, o olhavam ameaçadoramente e, em cada janela, traziam olhos de julgamento.
Olhos como o do seu pai. Porque um dia ele cansou de depender dos amigos e do vermelho sangue no boletim e pediu ao pai ajuda, afinal, estava com dificuldades. Os olhos do pai faiscaram e e endureceram: "Dificuldades? Dificuldades tinha eu que precisava trabalhar para ter comida em casa! Você tem tudo o que quer! Deixa de ser vagabundo e resolva seus próprios problemas".
E quem estava lá para ajudar? Amigos. Amigos em pó, em erva, em comprimido. E prédios. Prédios que os escondiam. Mas agora a lua o sentenciava e nos prédios estava seu pai, estava seu professor. Como demônios. Demônios que se esgueiravam pelos cantos, pelas esquinas, pelos bueiros. Demônios em pó, em erva, em comprimido. Demônios do corpo e também da alma. Demônios da mente. Da mente de um menino que está morrendo de overdose.

Seus contos são muito bons!
ResponderExcluirTem uma energia dramática envolvente, parabéns.
Obrigado Ariela, pelo comentário em meu blog...
Se lhe atrai o sentimentalismo gótico, lá encontrará o paradigma que lhe encanta...
Será sempre bem vinda.