terça-feira, 17 de abril de 2012

O menino que desapagou.


Ele estava irritado. Inexplicavelmente irritado.
Estava frio e, por mais que três blusas cobrissem seu corpo, o vento ainda fazia arrepiar. Os olhos fechados não o impediam de ver a grama em movimento, as árvores imóveis e as crianças correndo atrás dos cachorros.
Ele amava. Ele simplesmente amava. Ele amava amar.
Mas não naquele momento, porque estava irritado demais para amar.
A verdade é que ele estava longe. Longe de tudo. Não sentia mais, estava longe dos sentimentos, longe das pessoas, longe dos lugares, longe das vontades. Mas quem disse que ele ligava? Tudo bem, ele ligava. Ligava, porque amava estar longe! Amava. Ele amava essa falsa ideia de liberdade.
Mas não foi sempre assim. Ele já odiou. Odiou não se importar, odiou não ter saudade, odiou não pensar duas vezes antes de se desfazer de algo.
Odiou, porque quando era criança e voltada da escola, perguntavam "Sentiu saudade da mamãe?". E quando teve uma namorada? Ela sempre dizia: "como é difícil ficar longe de você...". Sem contar quando vendeu seu primeiro violão: "deve ser difícil se desfazer dele". A resposta era sempre a mesma. Não. Mas só por dentro, porque por fora... precisava mostrar aquele sorriso simpático.
Em algum momento, ele até tentou se importar e fez uma cena dramática ali ou aqui, mas se sentia tão ridículo.
Até que cansou. Cansou das pessoas. Cansou das opiniões alheias. E aceitou. Aceitou o desapego. Ah, como foi bom! Mas não foi pleno: tinha que se importar com tantas coisas que não queria... era dinheiro, política, fronteiras. Tantas coisas o prendiam o tempo todo. Era sufocante! Por isso ele não queria se prender a mais nada. Tinha decidido. Não se apegaria a mais nada, nem a ninguém.
Então, foi para longe. Porque a distância não o afetava. Nunca o afetava e ele amava... ah, como ele amava.
Ele só queria ser feliz por si só. Só isso. Queria ser feliz sozinho, para que mais nada o prendesse. O mundo já o impedia de fazer tantas coisas, não queria que outras coisas o impedissem.
O problema... é que ele amou!
Amou estar longe, amou estar sozinho, amou desapegar, amou o resto que sobrou de liberdade.
E isso doeu. Nossa, como doeu. Doeu porque não sabia mais viver sem o desapego. Doeu porque ele não queria mais se apegar e quando estava quase conseguindo... apegou-se ao desapego. E não sabia lidar com isso, simplesmente não sabia.

Por isso, estava irritado. Nossa, como estava. Porque quando abriu os olhos, viu um céu. Um céu distante, o céu de um lugar longe. E amou. Amou a liberdade que o prendia.

2 comentários:

  1. eu sou um bocado assim tbm, queria me desapegar de tantas coisas e simplismente não me importar mais. Mas não é mole assim não, não é nada fácil de desapegar.
    Pois então que eu me apegue ao que é bom e duradouro!

    Excedendo expectativas como sempre Ariela. Um abraço!

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  2. Ariela, que bom conhecer seu blog.

    Que texto ótimo, mostra como até a liberdade sufoca.

    Beijos!

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Brindará também o surreal?